Archive for the ‘literatura’ Category

Em breve, chega às livrarias o novo livro da poeta Mariana Ianelli (O amor e depois, Iluminuras), de quem sou leitora e admiradora. Abaixo, o texto que tive a honra e o prazer de escrever para a orelha do livro.

Conheci a poesia de Mariana Ianelli através de seu livro Fazer silêncio, cujo título já de saída me conquistou: essa exortação, num mundo extrovertido, um mundo compulsivamente loquaz e de ruído em excesso, parece mais do que atrevida: é revolucionária, talvez. Será possível, então, uma espécie de escrita silenciosa? Esta jovem poeta de mão segura confirma que sim. O silêncio está muitas vezes atrelado a uma frequência íntima de reflexão, de contemplação, de espera e temperança, qualidades que encontrei na poesia de Mariana. Uma poesia que não sobra, que não vaza, nem mesmo quando deslumbra.

Na primeira oportunidade me lancei a seus outros livros já publicados, até ter o privilégio de ler os originais de O amor e depois. Encontrei aqui o mesmo cuidado com as palavras que, como disse Jair Ferreira dos Santos, “é severo mas não exclui, antes reforça, a espontaneidade.” Uma “dicção ao mesmo tempo culta, comovente e perturbadora,” como quis ainda Antonio Carlos Secchin.

A língua é companheira de Mariana, é um instrumento que ela usa com a habilidade dos mestres. E como todo mestre, ela renova sua arte. Seus versos, que passam longe do exibicionismo formal e são antes o peneirar do ouro no rio, trazem imagens como o “halo de majestade / dos tigres à beira da extinção,” no belíssimo “Tigres brancos,” ou confirmam: “O amor, até o amor existe, / “Um lunático mendicante que vadia pela terra / À espera de outra chance.” (“Miragem”).

Mas ela é uma artesã cuja poesia nunca revela a costura. O domínio incomum que Mariana tem da escrita nos faz acreditar que, afinal, não há esforço no esforço que seguramente empenhou ali. E o tempo todo sua poesia silenciosa mas possante como poucas na cena contemporânea exorta que nossos olhos “estejam vivos e curiosos (…) / E olhem para dentro alguma vez / E o que vejam / Seja alguma força de sequóia / Presa à terra desde o império de outros tempos” (“Os teus olhos”).

Estaremos à altura da tarefa? Aí está o desafio lançado por Mariana Ianelli. A satisfação que foi para mim a descoberta de sua obra, há alguns anos, vem agora se aliar à alegria de reencontrá-la neste O amor e depois, sempre surpreendente, e absoluta senhora do seu ofício.

Não me restam dúvidas de que estes versos vazados pela temática do amor (e do seu fim, e do que vem depois) – mas não apenas isto – exigem que eu seja uma leitora competente, de olhos e ouvidos atentos. Mas só tenho a ganhar com isso. Pois, como lembra o poeta e editor americano Christian Wiman, acercamo-nos da poesia “para poder habitar de modo mais completo nossas vidas e o mundo em que as vivemos – e para que, sendo capazes de habitá-los mais integralmente, sejamos talvez menos aptos a destruí-los.”

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Acaba de sair o primeiro volume da poesia completa de Mario Quintana, pela Alfaguara: “Canções” – seguido de “Sapato florido” e “A rua dos cataventos.”

A apresentação do livro é minha, com a dupla alegria de estar ali juntinho com Quintana e na bela edição da que é também minha nova casa editorial.

Depois de traduzir algumas coisas para a Alfaguara/Objetiva, inclusive dois livros do Cormac McCarthy (entre os trabalhos de tradução mais difíceis que fiz na vida) e de publicações na revista Granta e numa bonita antologia deles chamada Carta para você (escrevi uma carta para Manuel Bandeira), a gente se prepara para lançar em 2013 o meu novo romance pela Alfaguara, que vai relançar os anteriores também.

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Dois dessa poeta inspirada, com a bela apresentação do Carlito Azevedo – para a última edição de “Risco,” a coluna dele sobre poesia publicada mensalmente no caderno Prosa e Verso de O Globo.

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Escrevi para a Revista Emília o texto abaixo, sobre o livro da Lygia Bojunga. Para a série “Livro de infância” que a Emília inaugurou recentemente com um texto super bacana do Rodrigo Lacerda.

O sofá estampado: romance de formação de um tatu
As estranhezas meio tristes da vida de Vítor e minha mala surrada
Por Adriana Lisboa

Adriana Lisboa nasceu no Rio de Janeiro. Graduada em música pela UniRio, tem mestrado em literatura brasileira e doutorado em literatura comparada pela Uerj. Já foi cantora, mas atualmente é escritora e tradutora. Publicou dez livros, entre eles: Azul-corvo (romance, 2010, finalista do Prêmio São Paulo de Literatura), Sinfonia em branco (romance, 2001, Prêmio José Saramago), Língua de trapos (infantil, 2005, Prêmio autor revelação e altamente recomendável – FNLIJ) e O coração às vezes para de bater (novela juvenil, 2007, adaptado para o cinema por Maria Camargo), entre outros.

Das leituras da infância, guardo na memória os Lobatos e a Coleção Vaga-Lume da editora Ática, que eu lia vorazmente (O caso da borboleta Atíria, O escaravelho do diabo, de Lúcia Machado de Almeida, O mistério do cinco estrelas, de Marcos Rey), as Memórias de um cabo de vassoura, do Orígenes Lessa, O menino do dedo verde, de Maurice Druon. Mas quando penso nas leituras dessa época, existe um canto muito especial (como que escavado por um tatu dentro das almofadas de um pequeno sofá de dois lugares, amarelo – aliás, tenho um assim em casa hoje, embora o meu seja sério, liso, de um amarelo-mostarda mais fechado e adulto) para O sofá estampado, da Lygia Bojunga.

Quando eu era criança, havia uma livraria perto da nossa casa, em Laranjeiras, no Rio de Janeiro, chamada Entrelivros (hoje é uma drogaria). Ficava na entrada de uma galeria, onde também havia uma adorada confeitaria que hoje é uma loja de cosméticos importados e duas salas de cinemas que viraram igreja evangélica. Eu ia com frequência à Entrelivros com meu pai: era onde comprava presentes quando tinha festas de aniversário. E por um hábito que não sei por que se criou, meu pai concordava em comprar livros vezes dois: o do presente e mais um exemplar para mim. Talvez eu suspeitasse que por trás daquelas capas havia experiências sensacionais de que eu precisava me inteirar também. Como entregar aquelas senhas para os aniversariantes sem saber o que havia do outro lado?

Foi assim que os livros da Vaga-Lume, por exemplo, vieram parar nas minhas mãos. O sofá estampado veio através de um outro livro da Lygia Bojunga, Corda bamba, que por sua vez veio através da minha amiga Dedé, mentora de algumas leituras. Um pouco antes da nossa fase adolescente embalada por George Orwell e Pink Floyd, ela me falou do tal Corda bamba. Li. Havia uma estranheza ali, um desajuste qualquer, algo que me deslocava do centro. Era um pouco triste. E era bom, por isso mesmo: um não-sei-quê de melancolia, de espaços cinzentos vazios, que eu queria poder espiar e sabia que teria que pisar com cuidado de modo a não dissolver o silêncio. O silêncio era grave e importante. Li dela também Os colegas (que reli uns trinta anos mais tarde com meu filho) até que cheguei a O sofá estampado. Foram todos eles comprados na saudosa Entrelivros, onde hoje, ironicamente, compro xampu e analgésico quando vou ao Rio.

Meu primeiro exemplar de O sofá estampado há muito se foi e o que tenho hoje é uma edição de 2004, já publicada pela Casa Lygia Bojunga, a editora criada em 2002 para reunir sob um mesmo teto as obras da autora. De todo modo, nunca me esqueci de Vítor nem, sobretudo, do sofá. “Amarelo bem clarinho, todo salpicado de flor; ora é violeta, ora é margarida, e lá uma vez que outra tem também um monsenhor.”

Vítor era um tatu. Mais adiante no livro ele vira um tatu militante, empenhado em defender a floresta e seus moradores – ó, Vítor, se você ainda está por aí trinta anos passados deve andar bem desapontado – mas o que me atraiu nele não foi isso. Vítor era um sujeito calado, que cavava buracos para não precisar ser visto, e para esconder também seus acessos incontroláveis de tosse nervosa. Eu achava incrível que ele conseguisse cavar buracos em qualquer canto (no sofá, inclusive, atravessando molas, piso, aparentemente sem ter de parar nunca) e que com frequência essas escavações fossem dar em lugares mágicos.

Como aquela rua. Uma rua estranha e desabitada onde uma mulher sem rosto passava trazendo um lenço fino de seda, com a mesma estampa do sofá. Desconfiei da mulher desde o início. Não vai lá não, Vítor, eu pensava. Boa coisa não é. Mas eu me sentia atraída pela rua deserta assim como ele: um lugar de silêncio, de profundo anonimato, de não-acontecimentos, talvez só como o que se pode encontrar na… morte?

Vítor cavava em busca de refúgio. Ao mesmo tempo, ele tinha seus afazeres aqui na superfície: a gata-sofá que namorava, Dalva, a mais assídua telespectadora do mundo, que o Vítor precisou conquistar entrando na tevê e virando garoto-propaganda de um sem número de produtos, desde o xarope Vida Nova até os cigarros Status e a cerveja Plus. Teve uma patroa por uns tempos, a histriônica Dona Popô, ex-moradora do zoológico que dirigia uma agência de publicidade. Teve uma avó que lhe deixou de herança uma maleta e os gens militantes. Tinha pais, tatus de classe média. Todos esses personagens transitam pelo livro – junto com a Dona-da-casa e de Dalva, junto com o Inventor, que tem um papel coadjuvante mas importantíssimo – e pela vida de Vítor numa espécie de saudável confusão.

O sofá estampado é um romance de formação de um tatu, mas é a história de como qualquer um de nós tenta encontrar um lugar na vida – e quando falo de lugar não falo de status (não: isso é marca de cigarro). Um lugar que, mesmo frustrando expectativas externas e mesmo tendo que necessariamente acolher a dor – Vítor precisa lidar com perdas e rejeições – seja o nosso. E não precise ser o fundo de um buraco.

Mas é claro que esta é a leitora adulta falando. Quando era criança, não pensei em nada disso. Apenas embarquei naquela estranheza meio triste da vida do Vítor e de suas escavações sem limites e de seu desajuste sintetizado na tosse incontrolável das situações de risco, que ao mesmo tempo bordejavam alguma coisa maior. Eu sabia: cavar o sofá estampado tinha um significado. Eu não sabia exatamente o que era. Eu não era tatu, nem tinha garras para escavar tecido e chão, embora até sentisse vontade de tentar. Mas imagino que estava em busca de algo bem parecido. Escrevi cartas de amor que nunca foram lidas, fui garota-propaganda de cerveja Plus para que me vissem e admirassem (será que me viram? será que me admiraram?), disse peraí, minha gente, não quero ser vendedora de carapaças de plástico quando crescer. Tive acessos incontroláveis e constrangedores de tosse. Conheci Donas Popôs, Inventores, e já vi a mulher sem rosto na rua de casas desabitadas enroscar seu lenço de seda aqui, ali. Hoje sou um Vítor crescido, tentando manter dentro de uma pequena mala surrada aquilo que considero realmente importante. Não é fácil. Mas nunca pensamos que seria.

* * *

Trecho do livro:

Quando a Dona Popô viu o filme, pensou logo “a venda de xarope vai disparar”. E disparou. O comercial foi um sucesso! todo mundo fez estoque de Vida Nova em casa.

O Vítor se impressionou com o sucesso; telefonou para Dalva. Ela gritou:

– Vi você na tevê! Vi você na tevê! Adorei. A minha dona já comprou.

– Você está com tosse?

– Eu não, mas a tevê não disse pra gente comprar?

Aí o Vítor não aguentou mais: se agarrou no telefone e desabafou:

– Dalva, quero te namorar!

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O sofá estampado foi publicado em 1980 pela José Olympio. Recebeu vários prêmios, entre eles o Prêmio o Melhor para o Jovem – FNLIJ, o APCA (Associação Paulista de Críticos de Artes), ambos em 1980, e o Prêmio Bienal Banco Noroeste de Literatura Infantil e Juvenil, em 1982. Entre outros, Lygia recebeu o Prêmio Hans Christian Andersen (1982) e o ALMA (2004, Astrid Lindgren Memorial Award), ambos pelo conjunto da obra.

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Tive a honra e o prazer de ajudar a organizar, junto com as universidades de Illinois em Urbana-Champaign, Northwestern, Yale, Colorado em Boulder e Smith College, e com o apoio também da ONG US-Brazil Connect, uma série de leituras e palestras da Claudia Roquette-Pinto aqui nos EUA, em quatro estados.

Na próxima semana ela estará aqui no Colorado. Bem vinda!

Abaixo, um dos meus poemas preferidos de Margem de manobra (Aeroplano, 2005), seu livro mais recente.

SÍTIO

O morro está pegando fogo.
O ar incômodo, grosso,
faz do menor movimento um esforço,
como andar sob outra atmosfera,
entre panos úmidos, mudos,
num caldo sujo de claras em neve.
Os carros, no viaduto,
engatam sua centopéia:
olhos acesos, suor de diesel,
ruído motor, desespero surdo.
O sol devia estar se pondo, agora
_ mas como confirmar sua trajetória
debaixo desta cúpula de pó,
este céu invertido?
Olhar o mar não traz nenhum consolo
(se ele é um cachorro imenso, trêmulo,
vomitando uma espuma de bile,
e vem acabar de morrer na nossa porta).
Uma penugem antagonista
deitou nas folhas dos crisântemos
e vai escurecendo, dia a dia,
os olhos das margaridas,
o coração das rosas.
De madrugada,
muda na caixa refrigerada,
a carga de agulhas cai queimando
tímpanos, pálpebras:
O menino brincando na varanda.
Dizem que ele não percebeu.
De que outro modo poderia ainda
ter virado o rosto
: “Pai!
acho que um bicho me mordeu!” assim
que a bala varou sua cabeça?

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FAZER SILÊNCIO

Seja o ar da montanha
Para o sono dos cordeiros.

Neve recém-caída,
Puríssimo grão de açúcar,
Duna sob a lua cheia.

Tal qual o fruto da terra
Que se dá a comer no sexto dia.

Jazida inexplorada,
Casa sem mobília,
Vácuo do não-dito,
Êxtase nunca interrompido.

Tal como o olho cego
Que percebe o invisível,
Gema de opalina.

Seja o restante, o indiviso.

Magma transmudado em cinza,
Fóssil na noite da cripta,
O vaivém milenar da água viva,
Líquido momento de sentir
E estar sozinho.

Fazer silêncio.

*

De Fazer Silêncio (2005)

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OS POEMAS

Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam vôo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto;
alimentam-se um instante em cada
par de mãos e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti…

*

de Esconderijos do Tempo.

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André de Leones está lançando seu novo romance, Dentes negros (cuja orelha assino), pela editora Rocco. É um livro cuja ação lenta, silenciosa e desencantada se desenrola num Brasil pós-apocalíptico, onde as pessoas perderam familiares e amigos para uma doença misteriosa que dizimou boa parte da população.

André avisa: “No dia 08/09, às 18hs, participarei do Café Literário na Bienal do Livro do Rio de Janeiro. Após o bate-papo, vou para o estande da Rocco, onde lançarei o meu novo romance.”

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